O Dia Nacional do Patrimônio Histórico, celebrado neste domingo (17), abre espaço para refletir sobre a importância da preservação da memória coletiva no Acre. Entre prédios centenários, manifestações culturais e referências ao mundo do trabalho, o estado reúne bens materiais e imateriais que ajudam a compreender sua formação social, econômica e política. Para o historiador e professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Eduardo Silveira Netto Nunes, pensar o patrimônio é também revisitar as raízes da identidade acreana.
O Palácio Rio Branco é um dos itens tombados como patrimônio/Foto: Juan Diaz/ContilNet
“Esses patrimônios são espécies de portais, que permitem, no presente, dialogarmos com a construção das identidades dos que vieram antes de nós”, afirma o pesquisador. Ele explica que a preservação garante não apenas a memória arquitetônica, mas também a vitalidade de práticas culturais. “A festa de São Sebastião, por exemplo, quando é registrada e ganha reconhecimento, tem sua visibilidade ampliada e evita que se perca ao longo do tempo.”
No Brasil, o reconhecimento de bens culturais é uma competência concorrente entre União, estados e municípios. Cada ente federado pode abrir processos de tombamento ou registro. No Acre, os procedimentos são conduzidos pelo Conselho Estadual do Patrimônio Cultural, enquanto em Rio Branco a responsabilidade cabe à Câmara Temática de Patrimônio Cultural, criada pela Lei Municipal nº 1.677/2007.
A legislação estadual, por sua vez, está prevista na Lei nº 1.294/1999, que instituiu o Conselho do Patrimônio Histórico e Cultural e o Fundo de Pesquisa e Preservação, administrado pela Fundação Elias Mansour. Segundo Eduardo Nunes, ainda existe um desconhecimento da sociedade sobre os trâmites legais: “Muitas vezes se acredita que determinado imóvel já é tombado, quando na prática o processo sequer foi concluído. Isso cria uma falsa sensação de proteção”.
Entre os bens oficialmente tombados no Acre estão o Palácio Rio Branco, o Casarão, a Catedral Nossa Senhora de Nazaré, o Palácio da Justiça, a Escola Maria Angélica de Castro e o Colégio Acreano, todos na capital. Em Cruzeiro do Sul, foram reconhecidos o complexo da antiga Prefeitura (que abrigou o Tribunal de Apelação do Território), o Teatro José de Alencar e a Catedral Nossa Senhora da Glória. Em Xapuri, está o Museu Chico Mendes, tombado em nível nacional pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Há ainda patrimônios de caráter municipal, como a árvore da Gameleira e o Cacimbão da Capoeira, ambos em Rio Branco, além do Parque Histórico e Ambiental José Plácido de Castro, em Xapuri. “É um elenco que reflete tanto a história política e religiosa do Acre quanto elementos culturais ligados ao cotidiano”, observa Eduardo.
O professor lembra que, em 2010, uma resolução estadual abriu processo de tombamento de cerca de 30 bens, mas sem conclusão efetiva. Em janeiro de 2025, o Conselho Estadual publicou nova resolução reabrindo os trâmites. Entre os locais em análise está a sede social do Clube Rio Branco, que já foi alvo de disputas públicas sobre sua preservação. “Hoje esses bens estão sob uma espécie de proteção provisória, válida por dois anos, até que se defina se serão ou não tombados definitivamente”, explica.
O professor da Ufac, Eduardo Silveira Netto Nunes, falou sobre a importância do patrimônio histórico/Foto: Cedida
Um dos pontos mais sensíveis é o centro histórico de Rio Branco. O pedido de tombamento da área foi analisado pelo Iphan, mas o processo foi indeferido em 2023. Isso deixou construções tradicionais vulneráveis a reformas e descaracterizações. “Nós temos observado perdas importantes, como no Praça da Revolução, que foi bastante alterado”, comenta Eduardo. Para ele, retomar a discussão sobre a preservação do centro seria essencial para construir um circuito histórico, nos moldes de outras capitais brasileiras.
Eduardo chama atenção também para um patrimônio menos lembrado: as referências ao mundo do trabalho. Segundo ele, as olarias que funcionaram em Rio Branco durante grande parte do século XX marcaram a paisagem urbana e social da capital. “O canal da maternidade, por exemplo, está revestido com ladrilhos que silenciosamente remetem a esse universo. Muitas dessas olarias foram demolidas sem qualquer proteção, apagando uma parte importante da história da cidade”, relata.
Para o pesquisador, essa dimensão precisa ser incorporada às políticas de preservação: “O trabalho nas olarias envolveu gerações de famílias, inclusive em condições precárias, quase de semi-escravidão. Preservar esses vestígios é reconhecer a trajetória de trabalhadores que ajudaram a erguer a cidade”.
Além das edificações, o patrimônio imaterial também ganha destaque. Festas religiosas, manifestações culturais, práticas tradicionais de cura e saberes populares compõem o que a legislação chama de salvaguarda. “Quando a sociedade reconhece uma prática cultural como patrimônio, ela passa a ter vitalidade. Não se trata de congelar a tradição, mas de dar condições para que ela continue existindo e se adaptando aos novos tempos”, afirma Eduardo.
Um dos equívocos comuns, segundo o historiador, é acreditar que, ao ser tombado, um bem passa a ser propriedade do Estado. Na prática, trata-se de uma restrição de uso que busca garantir a preservação de características essenciais. “Se apenas a fachada de um prédio é tombada, as alterações internas podem ser feitas. O tombamento delimita o que deve persistir no tempo, sem impedir adequações necessárias à conservação”, esclarece.
Para Eduardo, o patrimônio histórico cumpre papel central na construção da identidade coletiva. “Sem esses referenciais, as sociedades vivem apenas como se fossem presentes eternos. A preservação nos permite compreender como fomos forjados historicamente e como o passado se conecta com o presente.”
Confira abaixo a lista com itens que já foram tombados como históricos no estado do Acre:
Palácio Rio Branco – Rio Branco
O Casarão – Rio Branco
Catedral Nossa Senhora de Nazaré – Rio Branco
Escola Maria Angélica de Castro – Rio Branco
Colégio Acreano – Rio Branco
Palácio da Justiça – Rio Branco
Escola Menino Jesus – Rio Branco
Centro de Iluminação Cristã Luz Universal – Alto Santo (complexo de bens associados a Irineu Serra):
Casa do Sr. Leôncio
Casa onde morou Irineu Serra
Sede do templo onde são realizados os trabalhos espirituais
Casa do Feito
O Poço
Túmulo onde está sepultado Irineu Serra
Museu de Xapuri (antiga sede da Prefeitura Municipal de Xapuri) – Xapuri
Colégio Santa Juliana – Sena Madureira
Prefeitura Municipal de Cruzeiro do Sul (antigo Tribunal de Apelação do Território do Acre, Conselho de Vogais, Teatro José de Alencar, Rádio Difusora e Prefeitura) – Cruzeiro do Sul
Teatro José de Alencar – Cruzeiro do Sul
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia – atual Sala Memória Wilson Pinheiro – Brasiléia
Catedral Nossa Senhora da Glória – Cruzeiro do Sul
Sítio histórico e ambiental do Seringal Bom Destino – Acre
Árvore da Gameleira – Calçadão da Gameleira
Cacimbão da Capoeira
Parque Histórico e Ambiental José Plácido de Castro – Xapuri
Associação Recreativa Tentamen – Rua 24 de Janeiro, nº 239, 2º Distrito, bairro Seis de Agosto
Casa de Chico Mendes – Rua Gregório Filho, 2146, Xapuri
Fonte: Contilnet