Movida pelo compromisso com a educação e pelo carinho pela comunidade onde vive, a professora Eliane Lima dos Santos transformou a varanda de sua casa, no Ramal do Ouro, em plena Floresta Estadual do Antimary, em uma sala de aula.
O espaço improvisado, mas cheio de propósito, abriga alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA), dentro do Pacto Nacional pela Superação do Analfabetismo e Qualificação, iniciativa do Ministério da Educação, que busca ampliar o acesso à escolaridade e garantir o direito ao aprendizado a quem não pôde estudar na idade convencional.
Ao tomar conhecimento do projeto, Eliane Lima dos Santos não hesitou, reuniu os nomes dos moradores interessados em estudar e levou pessoalmente à Prefeitura de Sena Madureira.
Os alunos, muitos deles adultos, buscavam um espaço alternativo para aprender, já que vivem em uma região onde a logística é um desafiadora.
A casa da professora, localizada em um ponto estratégico do Ramal do Ouro, surgiu como solução natural, acessível para todos, sem exigir deslocamentos ainda mais difíceis.
Com o apoio do Poder Público, Eliane apresentou toda a documentação necessária e detalhou a realidade da comunidade, reforçando a urgência e a importância de garantir o direito à educação mesmo nos lugares mais afastados.
Professora ministra aulas em varanda adaptada para atender crianças da comunidade rural/Foto: Pedro Devani
A varanda da casa de Eliane funciona como uma verdadeira extensão da escola convencional, equipada com tudo o que a modalidade exige: banheiro externo, merenda escolar e material didático completo.
O espaço, embora simples, é acolhedor e funcional, pensado para garantir dignidade e qualidade no processo de aprendizagem.
Como todos os alunos são moradores da própria comunidade, o ambiente vai além do ensino formal: ali se constrói um vínculo afetivo profundo, quase familiar, entre os estudantes, os vizinhos e a própria família da professora.
O laço é tão íntimo que entre os alunos estão os próprios pais de Eliane, que agora compartilham com a filha não apenas o lar, mas também o sonho de aprender.
A professora Eliane conta que a iniciativa de transformar sua casa em sala de aula surgiu a partir da demanda da própria comunidade.
Professora destaca os desafios e conquistas de ensinar em área isolada/Foto: Pedro Devani
Segundo ela, os moradores demonstravam grande interesse em estudar, mas enfrentavam dificuldades de locomoção.
“Eles queriam muito aprender, e eu vi que o número de interessados era alto. Então, corri atrás”, relata.
Ela explica que levou a proposta até a Prefeitura de Sena Madureira, junto com uma lista de alunos e toda a documentação necessária.
“Falei com o diretor lá e apresentei a situação. Eles aprovaram, e eu comecei a dar aula aqui mesmo”, afirma.
Hoje, Eliane atende alunos com idades entre 30 e 56 anos. Alguns já tinham algum conhecimento, mas outros aprenderam a ler com ela desde o início.
“É muito gratificante. Eu adoro dar aula. Já é a segunda vez que ensino, mas me identifico muito com esse trabalho”, diz, emocionada.
As aulas acontecem de segunda a sexta-feira, de 16h às 20h.
O retorno dos sonhos
Entre os alunos está Marivaldo Rodrigues de Freitas, de 58 anos, morador da Floresta desde 1989.
Ele conta que começou a estudar com Eliane neste ano, embora já tivesse frequentado o EJA anteriormente.
“Com ela eu me envolvi mais e me destaquei. Aprendi a ler melhor”, diz.
Morador da comunidade, estudante adulto retoma os estudos na escola rural/Foto: Pedro Devani
Para ele, o projeto é essencial. “Quem aprendeu a ler desde pequeno não imagina como é difícil olhar para as letras e não saber o que significam”, reflete.
Ele lembra que a primeira escola da região foi fundada em 2006, quando seu filho já era adulto.
“Hoje temos várias escolas, evoluiu muito. Isso é muito bom porque educação muda a vida.”
Com acesso ao ensino, Freitas já sonha e planeja um futuro não só para si, mas também para os filhos.
“Nunca é tarde para recomeçar. Ainda quero conquistar mais coisas. Talvez não chegue à faculdade, mas sempre há tempo. E temos esse sonho.”
Sobre seus filhos, diz que alguns já concluíram os estudos e outros ainda estão tentando. “A gente batalha para que todos terminem.”
‘Posso chegar em qualquer lugar’
A agricultora Emília Pessoa de Lima carrega no olhar o orgulho de quem viu a própria filha se tornar professora, e mais do que isso, tornar-se guia de aprendizado para toda a comunidade.
“Ela sempre me ensinou tudo”, diz.
Embora já tivesse estudado antes, foi com Eliane que encontrou firmeza no aprendizado.
“Antes de estudar com ela, eu já tinha feito dois anos, mas não estava bem. Depois estudei um ano com ela, parei, e agora estou de volta. Já é a terceira vez.”
Estudante fala sobre o impacto da educação na vida da comunidade/Foto: Pedro Devani
Ela relembra que a filha sempre deu aula em casa, e esse formato, longe de ser improvisado, se tornou parte da rotina da família.
“Para mim é uma bênção. Meus filhos conseguiram se formar, graças a Deus. E agora sou eu quem está estudando com ela. É uma alegria imensa.”
Ela não esconde a gratidão por ver a filha exercer um papel tão transformador.
“Sou muito grata a ela e a Deus por ter abençoado minha filha para ser professora, não só para mim, mas para todos que precisam.”
Ao refletir sobre o significado da educação, Emília é direta e comovente ao constatar que todos deveriam ter acesso à ela como ferramenta de transformação social, independente do local onde viva.
“Viver no mundo sem saber ler é uma coisa muito triste. Era ruim demais ter que perguntar tudo. Hoje eu já sei ler, posso pegar ônibus e chegar em qualquer lugar. Graças a Deus.”
Aumentar o alcance da educação e reduzir o analfabetismo
Dados do Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados em maio deste ano, revelam que o Acre contava, em 2022, com uma população de 608 mil pessoas com 15 anos ou mais.
Desse total, 535 mil sabiam ler e escrever um bilhete simples, enquanto 73 mil ainda não tinham esse domínio básico da leitura e escrita.
Com base nesses números, a taxa de alfabetização no estado foi de 88%, enquanto a taxa de analfabetismo ficou em 12%.
Aluna durante atividade em sala de aula montada na varanda de madeira/Foto: Pedro Devani
Apesar de ainda expressiva, essa última representa uma queda significativa em relação ao Censo anterior, quando o índice era de 16,5%.
Uma das principais estratégias para enfrentar esse desafio e ampliar o acesso à educação no estado é a modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA), que tem se mostrado fundamental para garantir o direito ao aprendizado a quem não pôde estudar na idade apropriada.
A coordenadora de ensino de Sena Madureira, Andréia Nunes, acompanha de perto os primeiros passos do Pacto Nacional pela Superação do Analfabetismo, implantado em 2024 pelo Ministério da Educação.
Com caderno e lápis em mãos, alunos acompanham atentos as explicações da professora/Foto: Pedro Devani
Segundo ela, o município aderiu ao programa neste ano e já iniciou as primeiras turmas, tanto na zona urbana quanto na rural.
“É um desafio enorme, principalmente nas áreas mais afastadas, onde o acesso é difícil e o trabalho exige esforço redobrado. Mas estamos empenhados em fazer com que esse projeto aconteça e que o número de pessoas não alfabetizadas diminua significativamente”, afirma.
Lugar de esperança
Ela destaca que só em Sena Madureira há cerca de seis mil pessoas com mais de 15 anos que ainda não sabem ler ou escrever.
“Nosso papel é garantir que essas pessoas tenham acesso ao básico, à leitura, à escrita. E depois, quando estiverem alfabetizadas, elas seguem para as escolas estaduais, onde continuam seus estudos na EJA”, explica.
Material pedagógico simples ganha significado nas mãos das crianças do Ramal do Ouro/Foto: Pedro Devani
Andréia também ressalta a importância da turma do Antimary, que funciona na casa da professora Eliane.
“Foi uma escolha dos próprios alunos, por conta da distância entre as casas e a escola. E ela os acolheu com dedicação e carinho. É emocionante ver como esse espaço se transformou em um lugar de esperança.”
Massileudo Mendes Teixeira, coordenador do EJA no município, reforça o compromisso da Secretaria Municipal de Educação com a erradicação do analfabetismo.
“O foco dessas turmas é a alfabetização de adultos que não tiveram oportunidade de estudar na juventude. É um trabalho que exige persistência, mas acreditamos que, com esforço, podemos zerar esse índice nos próximos anos.”
Professora mostrando tarefa, símbolo de dedicação e esperança na educação rural/Foto: Pedro Devani
Ele conta que atualmente há 11 turmas em funcionamento, sendo a da professora Eliane a única em espaço alternativo.
“A turma dela tem 16 alunos. Era para funcionar na escola Maria Nogueira, mas a distância inviabilizou. Então, com o apoio da comunidade, decidimos que seria na casa da professora. E ela tem feito um trabalho exemplar.”
Além da merenda escolar e do material didático, os alunos receberam fardamento, algo que não acontecia há mais de duas décadas na rede municipal.
Estudante com caderno em mãos durante a aula na comunidade/Foto: Pedro Devani
“A professora Eliane faz o planejamento pedagógico semanalmente com a coordenadora da escola, e nós realizamos visitas quinzenais para acompanhar o progresso dos alunos. O resultado é visível: vemos a alegria no olhar de quem, pela primeira vez, consegue assinar o próprio nome ou ler uma frase simples.”
Massileudo encerra com esperança, destacando que essas turmas têm feito a diferença.
Estudante concentrada na atividade durante a aula na varanda da escola/Foto: Pedro Devani
Desta forma, ele garante que a meta é clara: alfabetizar e transformar.
“Garantir que nunca mais alguém precise viver sem entender o mundo das palavras.”
Fonte: Contilnet