Acre liberou R$ 2,1 bilhões de crédito para atividades agrícolas em 5 anos, mas ainda há pouca ação

Foram registradas 15.699 operações de crédito em 5 anos/Foto: Reprodução

Se o crédito rural fosse um prato típico, o Acre estaria servindo um banquete… mas com as cadeiras vazias. Em cinco anos, os bancos liberaram mais de R$ 2,1 bilhões para financiar atividades agrícolas e pecuárias no estado. Parece um número impressionante, certo? Só que, na prática, apenas 1% dos produtores acessaram esses recursos. Isso mesmo, 1%. É como se tivéssemos um caminhão-pipa para apagar um incêndio, mas ninguém soubesse onde está a chave.

O levantamento da Secretaria de Agricultura do Acre, cruzado com dados do Banco Central, revela uma verdade incômoda: a busca por crédito rural está despencando em ritmo vertiginoso. E isso não é só um problema de estatística para preencher relatórios; é um entrave real para o desenvolvimento rural. Afinal, como vamos plantar progresso se ninguém está regando o campo com o investimento necessário?

Foram registradas 15.699 operações de crédito nesse período, movimentando os tais R$ 2,1 bilhões. Mas o resultado é, no mínimo, decepcionante. Com tantas linhas de financiamento disponíveis e juros subsidiados que são um sonho para qualquer produtor, a adesão deveria ser muito maior. No entanto, o que temos é um cenário que beira o surreal: dinheiro sobrando e pouca gente interessada em pegar.

Dinheiro Tem, Mas E os Produtores?

O problema, claro, não é falta de recursos. O Plano Safra, por exemplo, liberou mais de R$ 300 bilhões em crédito rural no Brasil inteiro, com condições que fariam qualquer economista sorrir. Mas no Acre, a engrenagem parece emperrada. A burocracia, a insegurança fundiária e a falta de assistência técnica continuam sendo os vilões dessa história. E, convenhamos, quem vai querer pegar um empréstimo se não sabe sequer se terá condições de pagar?

Outro ponto que pesa é a dificuldade de muitos produtores em elaborar projetos para acessar o crédito. Sem orientação adequada, o dinheiro fica lá, parado nos bancos, enquanto o campo fica sem investimento. Para piorar, os impactos das mudanças climáticas, como secas prolongadas e pragas, só aumentam o risco e afastam ainda mais os interessados.

Sem Crédito, Sem Desenvolvimento

É impossível falar em desenvolvimento rural sem passar pelo crédito subsidiado. Ele é o combustível que move o trator, que planta a semente, que colhe os frutos. Sem ele, o campo fica estagnado, e o potencial agrícola do Acre, que é gigantesco, permanece subaproveitado.

O que falta, então? Regularização fundiária, menos burocracia, mais assistência técnica e, principalmente, uma mudança de mentalidade. O dinheiro está disponível, os juros são baixos, e as oportunidades estão aí. Só falta alguém ligar a máquina.

No fim das contas, o crédito rural no Acre é como um banquete servido para um convidado que não aparece. E enquanto isso, o desenvolvimento rural segue esperando na fila.

Abaixo parte do relatório:
Análise por Ano

2019: Início Modesto

  • Área Financiada: 83.653,13 hectares
  • Proporção em relação ao Acre: Apenas 0,51% da área total do estado foi financiada.
  • Análise: Este foi o ano de menor financiamento no período analisado, indicando uma baixa adesão a políticas de crédito ou uma possível limitação de recursos financeiros disponíveis. A área financiada foi equivalente a menos de 1% da extensão do território do Acre.

2020: Crescimento Significativo

  • Área Financiada: 201.620,68 hectares
  • Proporção em relação ao Acre: 1,23% da área total do estado.
  • Análise: O financiamento quase triplicou em relação a 2019, alcançando mais de 200 mil hectares. Este crescimento pode ter sido impulsionado por políticas de incentivo ao agronegócio e pela necessidade de recuperação econômica após o impacto inicial da pandemia de COVID-19.

2021: Ano de Maior Financiamento

  • Área Financiada: 281.983,95 hectares
  • Proporção em relação ao Acre: 1,72% da área total do estado.
  • Análise: Este foi o ano de maior financiamento no período, marcando o auge das atividades financiadas. Apesar de ser o pico, a área financiada ainda representou menos de 2% da extensão territorial do Acre, evidenciando que grande parte do território permaneceu preservado ou não financiado para atividades produtivas.

2022: Declínio Moderado

  • Área Financiada: 219.018,63 hectares
  • Proporção em relação ao Acre: 1,33% da área total do estado.
  • Análise: Houve uma redução de aproximadamente 22% em relação ao pico de 2021. Este declínio pode estar associado a mudanças nas condições climáticas, como secas prolongadas, e a uma possível retração nos investimentos.

2023: Estabilidade com Leve Queda

  • Área Financiada: 210.423,39 hectares
  • Proporção em relação ao Acre: 1,28% da área total do estado.
  • Análise: O financiamento manteve-se próximo ao nível de 2022, com uma leve redução de 3,92%. Este período reflete uma estabilização nos financiamentos, possivelmente devido à adaptação às condições climáticas adversas e à implementação de critérios mais rigorosos para concessão de crédito.

2024: Queda Acentuada

  • Área Financiada: 89.364,01 hectares
  • Proporção em relação ao Acre: Apenas 0,54% da área total do estado.
  • Análise: O financiamento sofreu uma queda drástica, representando menos da metade do valor financiado em 2021. Este declínio pode estar relacionado a políticas ambientais mais restritivas, maior adoção de critérios ESG (ambientais, sociais e de governança) pelas instituições financeiras e condições climáticas desfavoráveis, como secas severas.

Contraste: Área Total do Acre x Área Financiada

  • Extensão Territorial do Acre: 16.412.300 hectares.
  • Área Máxima Financiada (2021): 281.983,95 hectares (1,72% do estado).
  • Área Mínima Financiada (2019): 83.653,13 hectares (0,51% do estado).

Mesmo no ano de maior financiamento (2021), a área financiada representou menos de 2% da extensão territorial do Acre, evidenciando que uma parcela significativa do estado permaneceu intocada por projetos financiados, preservando sua biodiversidade e áreas protegidas. Isso demonstra que, apesar do aumento nos financiamentos, há um equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a conservação ambiental.

Tendências Observadas

  1. Crescimento até 2021: O financiamento aumentou consistentemente até atingir o pico em 2021, indicando uma fase de expansão econômica e agrícola no estado.
  2. Declínio Pós-2021: Após o pico, houve uma tendência de queda, culminando em uma redução acentuada em 2024. Isso reflete uma possível mudança de prioridades, com maior foco em sustentabilidade e menor incentivo a atividades de alto impacto ambiental.
  3. Impacto Relativo: Mesmo nos anos de maior financiamento, a área financiada foi relativamente pequena em relação à extensão total do estado, sugerindo que os projetos financiados foram concentrados em áreas específicas e não comprometeram significativamente o território acreano.

Conclusão

O cenário atual do financiamento rural no Acre reflete um paradoxo: enquanto o estado possui um enorme potencial agrícola e florestal, os produtores enfrentam uma série de desafios que limitam o acesso ao crédito e a expansão de suas atividades. A baixa representatividade do financiamento em relação ao território total (menos de 2%) e a predominância de áreas preservadas (85%) indicam que o desenvolvimento econômico pode e deve ser conciliado com a conservação ambiental.

Para reverter a queda no financiamento e aproveitar as oportunidades existentes, é necessário adotar uma abordagem integrada que envolva:

  • Políticas Públicas Eficazes: Avanço na regularização fundiária, redução da burocracia e maior incentivo a práticas sustentáveis.
  • Capacitação e Assistência Técnica: Apoio aos produtores para elaboração de projetos e acesso a linhas de crédito.
  • Fomento à Agricultura Sustentável: Incentivo a sistemas agroflorestais e valorização de produtos nativos.
  • Investimento em Infraestrutura: Melhoria das condições de transporte, armazenamento e logística.

Com ações coordenadas, o Acre pode transformar seus desafios em oportunidades, promovendo o desenvolvimento rural de forma sustentável e inclusiva. O estado tem a chance de se tornar um modelo de equilíbrio entre produção agrícola e preservação ambiental, aproveitando ao máximo os recursos disponíveis e sua posição estratégica no cenário nacional e internacional.

Dados por Instituição Financeira

  1. Banco da Amazônia S.A.
    • Quantidade de Operações: 6.413
    • Área Financiada (ha): 535.648,24
    • Volume de Crédito (R$): 1.038.552.983,70
  2. Banco do Brasil S.A.
    • Quantidade de Operações: 8.838
    • Área Financiada (ha): 469.642,95
    • Volume de Crédito (R$): 883.453.548,66
  3. Cooperativa do Estado do Acre Ltda.
    • Quantidade de Operações: 100
    • Área Financiada (ha): 28.022,35
    • Volume de Crédito (R$): 59.336.392,02
  4. Cooperativa Sicredi Biomas
    • Quantidade de Operações: 238
    • Área Financiada (ha): 15.544,17
    • Volume de Crédito (R$): 32.307.254,49
  5. Banco Cooperativo Sicredi S.A.
    • Quantidade de Operações: 282
    • Área Financiada (ha): 14.645,94
    • Volume de Crédito (R$): 55.533.971,12
  6. Sicoob Credisul
    • Quantidade de Operações: 43
    • Área Financiada (ha): 13.817,16
    • Volume de Crédito (R$): 16.256.640,68
  7. Caixa Econômica Federal
    • Quantidade de Operações: 17
    • Área Financiada (ha): 6.421,80
    • Volume de Crédito (R$): 11.787.146,81
  8. Banco Sicoob S.A.
    • Quantidade de Operações: 3
    • Área Financiada (ha): 843,55
    • Volume de Crédito (R$): 5.350.000,00
  9. CCLA do Estado de São Paulo – Sicoob Paulista
    • Quantidade de Operações: 0
    • Área Financiada (ha): 791,55
    • Volume de Crédito (R$): 1.500.000,00
  10. Cooperativa Sicredi Univales MT/RO
    • Quantidade de Operações: 0
    • Área Financiada (ha): 364,10
    • Volume de Crédito (R$): 0,00

Thiago de Almeida é Economista e Pós-graduado em agronegócio e ESG


Everton Damasceno

Compartilhe

WhatsApp
Facebook
X
Threads
Telegram
Print
LinkedIn

Siga nossas Redes Sociais