Conheça a acreana que fotografa nascimentos e ganhou reconhecimento internacional

Allana tem 34 anos/Foto: Reprodução

Sebastião Salgado, um dos fotógrafos brasileiros mais respeitados do mundo, que nos deixou há alguns dias, dizia que a fotografia move corações e mentes. Isso é mais do que real na vida da acreana Allana Alencar, de 34 anos, que teve sua vida transformada pela arte de fotografar. Não casamentos, aniversários e festas aleatórias, mas sim um dos momentos mais marcantes da vida: o nascimento.

Sim, a bióloga de formação e mestre em Ecologia é fotógrafa e especialista em nascimentos. Há cinco anos, participa de partos e registra o momento em que as mamães dão à luz — sem romantismos ou embelezamentos, como ela mesma diz.

Allana já atendeu mais de 250 famílias e foi premiada no Outstanding Maternity Award — a primeira premiação internacional de fotografia dedicada exclusivamente à fotografia de família e maternidade.

Allana escolheu fotografar nascimentos/Foto: Arquivo pessoal

Primeira experiência

Tudo começou, na verdade, com o nascimento de sua filha Aurora, no dia 26 de junho de 2019, numa experiência que misturou dor e delícia.

“Então, dentro da minha formação acadêmica, eu já trabalhava muito com fotografia, com a técnica de fotografia, fotografando vida silvestre, porque já faz parte ali do nosso rol. E aí, quando eu tive minha segunda experiência de parto, conheci a fotografia de nascimento. Foi através do parto da minha segunda filha que eu tive esse acesso. Porque assim, amigo, o primeiro nascimento, do meu filho, do meu mais velho, foi uma cesariana, cheia de violência obstétrica. Muita coisa trouxe uma experiência negativa para mim. Cinco anos depois, engravidei da Aurora. E aí, busquei informação para saber como teria acesso a um nascimento mais humanizado. E queria muito a experiência vaginal, o parto vaginal. Foi quando encontrei uma equipe de trabalho que assiste partos em Rio Branco, domiciliares, e eu encarei a experiência”, contou.

Allana tem 5 anos de experiência com a fotografia/Foto: Arquivo pessoal

“Era uma gestante de risco habitual, não tinha nenhuma doença materna, foi uma gestação saudável, então eu poderia ter essa experiência e tentar fazer em casa. E aí consegui uma amiga para fotografar de maneira, assim, bem… vamos dizer que sem criar nenhuma expectativa. O que ela conseguisse registrar, beleza. Mas o meu primeiro contato com a fotografia foi assim, durante a pesquisa de parto humanizado no Brasil. O cenário obstétrico no Brasil. E aí me deparei com muitas fotos, muitos filmes que vinham sendo publicados em grandes cidades do Brasil, que já estavam com a humanização muito avançada, lá na frente. E a gente ainda estava começando aqui em Rio Branco”, acrescentou.

Allana conta que se encantou com a fotografia quando viu os registros da sua gravidez e criou uma conta nas redes sociais para compartilhar informações sobre parto com outras mulheres:

“Então fui me apaixonando por esse universo. Aí pronto, quando tive o contato imediato com as fotografias que minha amiga fez do meu parto, fiquei extremamente encantada. Veio aquele senso de responsabilidade social, de que tem muita mulher que não sabe que parir pode ser bom, que a experiência pode ser positiva, que dá para ter boas memórias daquele momento. E eu comecei, dentro do meu Instagram, a criar uma rede de informação sobre violência obstétrica, sobre o papel de cada profissional da assistência, como eles poderiam ajudar a mulher — como a doula, o enfermeiro obstétrico, os médicos, o que os médicos normalmente faziam para evitar o nascimento via vaginal, as mentiras, sabe? A violência em si, verbal, e a falta de informação. Fazendo essa corrente de informação, cheguei a algumas mulheres que queriam muito a minha ajuda, e aí consegui a minha primeira cliente assim. Eu fiz tipo uma consultoria com ela, para ajudar no momento do parto, para fortalecer a decisão dela de ter um parto domiciliar, e acabei indo ao parto dela, despretensiosamente. Ela queria só a minha presença”, detalhou.

A fotógrafa Allana nasceu junto com o primeiro trabalho.

“Como eu já tinha material de fotografia em casa, porque já trabalhava com isso, ela disse: ‘Amiga, leva tua câmera. O que tu conseguir registrar pra mim vai ser tão bom… queria ter esse momento registrado’. Um ano depois de ter minha filha. Dia 7 de julho. É a data que comemoro o aniversário da minha marca, com o primeiro parto que assisti. Aí tive acesso à fotografia de nascimento através dessa primeira experiência, em que fui despretensiosamente. E fiz uma fotografia que, para mim, de todos os meus trabalhos, é a mais linda”, contou, emocionada.

Uma das fotos do primeiro trabalho de Allana/Foto: Arquivo pessoal

“A minha primeira experiência foi, para mim, assim, muito forte. Porque o nome da bebê que nasceu era o mesmo nome da minha filha. Então eu… era como se eu estivesse revivendo o meu parto, só que sob outro olhar, né?”, acrescentou.

A partir desse momento, a vida da acreana tomou um novo rumo. Outros trabalhos foram surgindo, e ela passou a acompanhar partos nos hospitais de Rio Branco.

“Aí comecei a entender de assistência, porque, assim, eu estava do lado da mulher que é assistida, e fotografando ainda com a cabeça da mulher que era assistida. Quando entrei nos hospitais — porque até então só tinha assistido partos domiciliares, que são outra realidade, totalmente diferente — tudo mudou. Aí comecei a ver a assistência hospitalar e me colocar como parte dela, entender o quanto meu trabalho poderia atrapalhar ou ajudar a mulher naquele período de parto. E aí fui me inserindo nesse meio, me colocando nesses dois papéis: ter que me dividir entre o olhar de mãe, porque eu era mãe, o olhar de mulher e o olhar de profissional da assistência”, destacou.

Allana já fotografou vários partos e foi pioneira nesse tipo de trabalho na Maternidade Bárbara Heliodora:

“Eu fui a pioneira a abrir caminho lá, para entrar como fotógrafa profissional, porque ninguém podia, né? Ninguém pode. Na época da gestão da Laura, consegui uma conversa direta com ela, mostrei todo o meu trabalho e a importância dele. A partir disso, ela abriu o credenciamento para fotógrafos. Então, lá no Bárbara Heliodora, até o ano passado, eu contava nos dedos quantos trabalhos tinha feito, mas este ano eu já perdi as contas. O meu maior público é no Hospital Santa Juliana e no Parto Domiciliar Planejado.”

Reconhecimento do trabalho, violência obstétrica e humanização do parto

Ao ser questionada sobre como a equipe médica e hospitalar lida com seu trabalho, Allana confessou que, atualmente, está mais fácil do que no início. Ela afirma que já viu muitas mulheres serem vítimas de violência obstétrica.

“Em Rio Branco, os três primeiros anos foram de uma dificuldade imensa, em todos os sentidos. Tanto para ser respeitada no que eu estava fazendo, para as pessoas reconhecerem que aquilo era importante para a família, quanto pela resistência em ter alguém que não fosse da equipe de assistência ali dentro. Então, foi um momento de muitas barreiras, porque vi muita violência obstétrica. Assisti muitas mulheres sendo respeitadas, mas muitas vezes desrespeitadas também”, afirmou.

“É sempre emocionante”, disse a acreana sobre o trabalho que realiza/Foto: Arquivo pessoal

Seu trabalho é, também, uma forma de evitar que o parto se torne uma experiência de violência, é o que acredita:

“Então, é incômodo ter alguém ali olhando, com a câmera na mão, né? Eles vão pensar pelo menos duas ou três vezes antes de fazer qualquer coisa, porque eu estou filmando. Tive essa resistência nos primeiros anos. E aí, de dois anos para cá, o hospital me deu muito apoio, me ajudou, inclusive, a divulgar meu trabalho, porque fiz credenciamento com o cartão deles. Tive uma abertura para conseguir falar mais sobre meu trabalho no hospital. E aí, as equipes começaram a me conhecer. Então comecei a estar presente muitos dias, muitos plantões. Pelo menos dez vezes no mês eu estou lá dentro.”

A fotógrafa conta que o cenário obstétrico no Brasil “é um dodói”:

“Se a gente mexer, dependendo do médico, da equipe, isso repercute tanto, tanto, tanto, que não dá pra imaginar. É um campo minado, sabe? São opiniões diferentes. A humanização do parto virou um comércio também. Muita gente usa esse rótulo para vender um serviço que não é humanizado. Então, é bem delicado, sabe? Um cenário muito delicado.”

Primeiro registro de um bebê empelicado feito pela acreana/Foto: Arquivo pessoal

Allana foi incisiva ao responder à pergunta da reportagem do ContilNet sobre o que mais a emociona nesses trabalhos:

“É a assistência sendo compreendida pela mãe e a entrega da família àquele momento. Eles entenderem que aquele processo não é de sofrimento. É um processo de dor, mas que leva à chegada de uma vida. Então, assistir famílias que têm alegria em viver esse processo de dor é muito emocionante. Porque você consegue observar que, no meio da dificuldade, das dores, do processo, ainda assim estão felizes e recebem o bebê felizes, bem. Essa é a parte que eu mais gosto de ver, sabe? A mulher que está sentindo as contrações e está ali, extremamente feliz por estar vivendo aquilo. Isso aí é… a gente sente aquela utopia mesmo, assim, do trabalho de parto. Aquela adrenalina, no final, não tem atmosfera comparável, sabe? Quando a gente vê o nascimento por cesariana, que se torna mais mecânico. Tem a emoção particular, dependendo de cada história, sabe? Depende de muitas camadas para a gente acessar a emoção da cesariana por ela ser mecanizada”, disse.

A acreana está em Belo Horizonte, onde abriu agenda para fotografar alguns partos. Entre um trabalho e outro, ela conversou com o ContilNet e falou sobre o reconhecimento internacional:

“É um prêmio internacional que acontece todo ano, e tem várias edições por ano. Essa foi a 35ª edição em que ganhei. Enviei 15 fotografias e uma delas foi escolhida. Foi um parto no hospital com uma obstetra que é referência em humanização do parto, a Maria Júlia. Foi um parto vaginal, que a gente assistiu no Santa Juliana. Enviei várias fotos — hospitalar, cesariana, imagens mais macro, que eu gosto muito, mais viscerais, né? Mas escolheram essa porque, como era fotografia de família, tem a doula entregando o bebê para a mãe, e a emoção de todo mundo. Foi um concurso que eu nem esperava. Primeira vez que me inscrevi, então nem imaginava. E a probabilidade é muito pequena, né? Ganhamos na modalidade de fotografia de família.”

Allana conta que seu trabalho tem ajudado inúmeras mulheres/Foto: Arquivo pessoal

Allana vive exclusivamente da fotografia — é sua fonte de renda.

“A fotografia de nascimento, hoje, é um propósito que eu não entendia, mas agora compreendo. Porque não tem como entregar só foto e vídeo, sabe? É uma experiência que não volta para a família. Enquanto profissional que assiste, conhece e entende o quanto aquilo é transformador, meu papel vai além disso. Tive que reajustar todas as minhas expectativas em relação ao que as famílias querem entender, ver, contar na história — e me dedicar somente a isso. Porque precisei estudar mais, ler mais, tirar mais tempo. Faço reuniões com as famílias com antecedência, para entender a história e entrar nela com os olhos que elas querem ver. Então, demanda muito essa ligação, esse laço que preciso criar antes do parto. E aí não tem como atuar de maneira generalista dentro do mercado da fotografia”, concluiu.

Allana Alencar tem perfil no Instagram: @partografando.

VEJA ALGUNS REGISTROS: 

Fonte: Contilnet

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