O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) negou conhecer qualquer projeto com o nome Patrulha Ambiental do Movimento Extrativista, liderado pelo ex-tesoureiro nacional do Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) Chanter Lane Pereira de Almeida.
Chanter promete terras da União a quem se filiar à patrulha.
O Incra, no entanto, afirma que, para fazer parte do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA) e ser beneficiado como assentado, o interessado e sua família devem participar de seleção promovida exclusivamente pelo instituto.
“O cadastro dos candidatos, bem como a definição das famílias a serem assentadas, são realizados por meio de editais publicados pelo Incra. Neles, constam todas as fases do processo de seleção e os critérios para escolha dos novos beneficiários. Os editais são publicados por assentamento e por município”, afirma.
As inscrição das famílias são sempre gratuitas e feitas pelo Incra. Ninguém está autorizado a realizar ou pedir qualquer tipo de contribuição ou cobrança financeira para realizar o cadastro de candidatos.
Cinco hectares
O grupo diz garantir cinco hectares (50 mil metros quadrados) de terras, sendo três destinados à preservação ambiental, aos associados que comprarem uma camisa de R$ 50, participarem das reuniões e responderem a uma chamada semanalmente em grupo de WhatsApp com o nome completo e a senha.
O ex-tesoureiro nega se tratar de uma promessa, mas uma mobilização popular com a finalidade de o governo federal doar terras ao grupo e, só depois disso, repassar os terrenos. “Não posso prometer o que não tenho”, diz o político em entrevista (leia a resposta dele mais abaixo).
Para a Justiça, contudo, as ações de Chanter podem configurar crimes de estelionato e corrupção eleitoral. Ele já foi investigado pela Polícia Federal e pelos ministérios públicos de Goiás e de Minas Gerais.
No Distrito Federal, Chanter organizou grupos com pessoas interessadas em terras de Sobradinho, Planaltina, São Sebastião e Taguatinga. Há três meses, o Metrópoles se infiltrou em um dos grupos no DF para acompanhar a movimentação.
A reportagem também participou de uma reunião com pelo menos 150 pessoas em agosto, realizada na Paróquia Santa Rita de Cássia, em Planaltina, com o objetivo de entender como funciona o grupo.
Até julho deste ano, Chanter ocupava o cargo de tesoureiro nacional do partido fundado por Levy Fidelix – morto de Covid em 2021 –, e que tem nomes de destaque, como Pablo Marçal.
Documentos das eleições municipais de 2024 mostram a assinatura de Chanter para validar as contas eleitorais de candidatos do partido pelo país. Ele foi candidato a vereador de Aparecida de Goiânia (GO) no mesmo ano.
Nas redes sociais, Chanter divulga encontros em diversas cidades no interior do país prometendo o sonho da terra própria a pequenos produtores.
Ele foi investigado pela Polícia Federal por suspeita de estelionato em um caso ocorrido em Uberlândia (MG) e que envolveu centenas de pessoas.
Um processo investigando crime eleitoral também tramitou em Goiás, após as investigações em Minas Gerais apontarem que ele seria candidato a deputado no outro estado.
No relatório final da PF, a autoridade policial classificou as terras como “prometidas fraudulentamente” e concluiu que os fatos se assemelhavam a um suposto crime de estelionato contra particulares.
A Justiça Eleitoral de Minas Gerais entendeu que há um golpe em curso.
“É muito provável que não somente pessoas de Uberlândia (MG) foram vítimas do possível golpe, mas também de outras cidades, havendo possibilidade de existir outros inquéritos policiais em curso no país sobre o mesmo fato na própria Justiça Federal comum, haja vista envolver promessas de negócios com terras da União”, destacou o juiz Roberto Ribeiro de Paiva Júnior.
Na época da investigação, Chanter era candidato a deputado estadual por Goiás, e a Justiça Eleitoral não entendeu como crime eleitoral a ação do postulante, já que as supostas vítimas seriam eleitoras mineiras.
O caso, então, foi avaliado pela Justiça Federal, que não identificou até o momento prejuízo à União, remetendo o caso à Justiça de Goiás. Em Goiás, o caso analisou que as vítimas residiam em Minas Gerais e devolveu para o estado de origem. Desde então, não há avanços na investigação.
Enquanto não há uma conclusão, Chanter atrai pessoas com a expectativa de conseguirem um terreno.
Patrulha ambiental
O movimento extrativista Patrulha Ambiental trabalha com o cerne de que o governo daria terras degradadas para um projeto de reflorestamento ambiental. Esses terrenos não poderiam ser vendidos, apenas repassados aos descendentes. A ideia é recuperar áreas desmatadas.
Com esse foco, as pessoas aderem ao movimento acreditando que há viabilidade no projeto. Nos grupos, é pedido para que cada um chame pelo menos mais integrantes com a finalidade de aumentar o número de pessoas.
Um áudio com voz feita por inteligência artificial afirma garantir que o projeto está constituído no artigo nº 225 da Constituição Federal. É esse mesmo artigo que Chanter usa para dizer às pessoas que elas são ambientalistas por participarem do movimento, e que uma carteira de identificação entregue nas reuniões seria o suficiente para comprovar a medida.
O texto, por sua vez, não faz qualquer menção aos argumentos citados pelo grupo. O artigo apenas garante o direito de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preserva-lo para as presentes e futuras gerações.
Quando anuncia uma reunião, a equipe de Chanter que administra o grupo deixa claro que quem não for no dia será excluído do projeto. No dia, é obrigatória a compra da camisa para participar. As pessoas assinam uma ata e ganham uma senha para “garantir” as terras quando o projeto for viabilizado.
Segundo é repassado nas conversas da equipe de Chanter, há dois grupos de Formosa, um de Planaltina-DF, um de Planaltina-GO, e um de São Sebastião, Sobradinho, Taguatinga, Campos Belo (MG) e Águas Lindas.
Na reunião, Chanter deixa claro que é necessário ter força política para avançar com os projetos.
Para se mostrar influente, Chanter divulga vídeos na frente da Esplanada dos Ministérios dizendo que veio discutir o projeto com o governo federal. Ele também divulga nas redes uma reunião com o presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Rodrigo Antonio de Agostinho Mendonça.
O Metrópoles procurou na agenda do chefe do Ibama uma reunião com Chanter. Em 15 de fevereiro de 2024, o presidente do instituto se encontrou com o suposto ambientalista que ocupava cargo de secretário municipal de Aparecida de Goiânia à época.
Segundo o Ibama, não houve qualquer tratativa relacionada ao movimento denominado “Patrulha Ambiental”. O órgão diz não ter conhecimento sobre a promessa de distribuição de terras da União.
Em 23 de julho deste ano, o perfil no Instagram da Patrulha divulgou a foto do presidente do Ibama. A publicação teve comentários de pessoas comemorando o encontro: “Vai sair meu pedacinho de paraíso”, escreveu uma das pessoas.
Trajetória política
Desde 2004, Chanter tem sido uma presença constante nas disputas eleitorais em Goiás, concorrendo a cargos tanto no legislativo municipal (vereador em Goiânia e Aparecida de Goiânia) quanto no estadual (deputado estadual).
Apesar de sua persistência, o sucesso eleitoral tem sido limitado, resultando em posições de suplente ou em candidaturas sem sucesso ou cassadas.
Paralelamente à sua busca por um cargo eletivo, Chanter construiu uma carreira dentro da máquina administrativa governamental, ocupando o primeiro escalão municipal. Na gestão do prefeito Vilmar Marino em Aparecida de Goiânia (GO), Chanter foi secretário de Ação Integrada. Em agosto deste ano, o ex-prefeito foi condenado a oito anos sem poder se eleger por abuso de poder enquanto estava no cargo.
A trajetória política embasou a investigação sobre corrupção eleitoral, acreditando que ele se vale da intenção das pessoas para conseguir uma cadeira no legislativo. Nas redes sociais, Chanter divulgou as imagens de reuniões pelo país com o número da chapa eleitoral.
Em entrevista, Chanter se explica dizendo que não há movimento sem política, e que apoiará candidatos alinhados à sua causa.
O que diz Chanter Lane
- Chanter Lane nega veementemente prometer terras a quem participa do seu movimento. Ele insiste que quem diz isso está “falando besteira”. Em vez de uma “promessa”, ele define sua iniciativa como uma “luta” ou um “movimento”.
- Para ele, uma promessa é algo que se tem em mãos para dar. Como ele não possui terras, não pode prometê-las. A “luta” é o esforço coletivo para pressionar o governo a ceder essas terras.
- Ele admite que, se a “luta” for bem-sucedida e o governo doar as terras, elas serão, de fato, repassadas aos membros do movimento.
- Segundo ele, o propósito declarado do movimento é promover o “reflorestamento extrativista”. A ideia é que as pessoas voltem para o campo para cuidar do meio ambiente, produzindo alimentos (como açaí, abacate, etc.) de forma sustentável em áreas designadas.
- Ele se posiciona como contrário à invasão de terras e critica o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que, segundo ele, “degrada o meio ambiente”.
- Ele afirma que a compra da camiseta (R$ 50) não é obrigatória para estar nos grupos de WhatsApp, mas admite que é um requisito para participar presencialmente das palestras. A justificativa é diferenciar seu grupo do MST.
- A carteirinha, segundo ele, transforma o membro em um “ambientalista voluntário”, citando o Artigo 225 da Constituição. Embora não haja qualquer citação ao termo no texto.
- Chanter diz que não tem conhecimento da investigação da Polícia Federal.
- O político menciona que processou o Estado de Goiás por usar de “falsas narrativas” contra ele. Chanter ainda disse que, como prova de que não quer ganhar dinheiro, nem pediu por valores no processo.
- A informação, contudo, não procede totalmente. Chanter, de fato, processou o Estado por danos morais e materiais. Ele alegou ter sido preso em uma situação vexatória dentro da Câmara Municipal de São Simão (GO) ao ser confundido com invasor de terra e pediu R$ 500 mil de indenização.
- A Justiça concordou que o modo como ele foi preso foi desnecessário e autorizou o pagamento de R$ 15 mil.
Há garantia legal ao que Chanter promete?
A promessa de distribuir lotes de 5 hectares de terras da União em Áreas de Preservação Permanente (APPs), como margens de rios, para qualquer pessoa que se inscrevesse em um movimento via WhatsApp, não tem amparo legal. Na verdade, ela contradiz diretamente a legislação ambiental e patrimonial do país.
A promessa menciona a recuperação de “margens ciliares” (margens de rios). Pela Lei nº 12.651 (conhecida como Novo Código Florestal), essas áreas são classificadas como APPs, sendo protegidas por lei.
A regra geral é a proibição de construção, cultivo ou qualquer intervenção nessas áreas. A lei só permite exceções em casos muito específicos de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental, sempre com autorização do órgão ambiental competente.
Fonte: Metrópoles