A Revolução Acreana é uma daquelas passagens históricas dignas de roteiro de cinema: batalhas na selva, personagens marcantes, poder econômico, diplomacia internacional e um final surpreendente que alterou os limites do mapa do Brasil. Liderado por Plácido de Castro no início do século XX, o movimento colocou seringueiros brasileiros em confronto direto com o governo da Bolívia pelo controle do território rico em borracha — o “ouro branco” da época.
Embora oficialmente pertencesse à Bolívia pelo Tratado de Ayacucho, assinado em 1867, o Acre era ocupado quase totalmente por brasileiros atraídos pelo ciclo da borracha. O produto era o motor da economia mundial por abastecer indústrias de pneus e outros artigos na Europa e nos Estados Unidos. Com a explosão do cultivo, milhares de nordestinos migraram à região em busca de fortuna, transformando a área em um polo econômico brasileiro, apesar da soberania boliviana.
O estopim: chegada do Bolivian Syndicate
A tensão aumentou em 1901, quando a Bolívia arrendou a região a um consórcio internacional chamado Bolivian Syndicate, formado por empresários ingleses e norte-americanos. A ideia era explorar as riquezas do Acre com capital estrangeiro, o que acendeu um alerta nos seringueiros brasileiros e despertou temor no governo do Brasil quanto à presença de potências estrangeiras na Amazônia.
Foi nesse contexto que entrou em cena José Plácido de Castro, militar gaúcho com experiência na Revolução Federalista (1893–1895). Contratado pelos revoltosos, ele assumiu o comando das tropas formadas principalmente por seringueiros armados, trabalhadores ribeirinhos e voluntários. No dia 6 de agosto de 1902, com a tomada de Xapuri, o grupo proclamou o Estado Independente do Acre, rompendo oficialmente com o domínio boliviano.
Plácido de Castro em meio a soldados do Estado Maior Acreano/Foto: Wikimedia Commons
Curiosidades do levante revolucionário:
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Plácido de Castro criou uma bandeira própria para o Acre Republicano, com uma estrela vermelha simbolizando o “sangue derramado pela liberdade”.
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O movimento acuava os bolivianos não apenas por terra: seringueiros construíram canoas artesenais armadas para dominar rios estratégicos.
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Os combatentes improvisavam armas e pólvora com materiais da floresta e recebiam doações clandestinas de munições enviadas por simpatizantes brasileiros.
Com o avanço das tropas revolucionárias, os bolivianos foram cercados em Porto Acre. Em 24 de janeiro de 1903, o comandante Rojas Galindo se rendeu a Plácido de Castro, marcando o fim da resistência militar boliviana. O Brasil interveio diplomaticamente para evitar conflitos internacionais, e, após longas negociações com a Bolívia, o acordo foi selado.
Conflito na Revolução Acreana/Foto: Wikimedia Commons
Tratado de Petrópolis: dinheiro e coragem trocam o destino do Acre
Assinado em 17 de novembro de 1903 na cidade de Petrópolis (RJ), o tratado oficializou a compra do território acreano por 2 milhões de libras esterlinas — valor financiado por bancos ingleses — e comprometeu o Brasil a construir a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, ligando Porto Velho a Guajará-Mirim para facilitar o escoamento da produção boliviana até o Atlântico. A ferrovia, apelidada de “ferrovia do diabo” pelo alto número de mortes em sua construção, foi concluída apenas em 1912, com enorme sacrifício humano em meio à floresta.
De província autoproclamada, o Acre tornou-se território federal brasileiro e, em 1962, ganhou status de estado, passando a ocupar oficialmente assento entre as 27 unidades da federação.
Bandeira do Acre/Foto: Davi Sopchaki
Herança de resistência
A Revolução Acreana é celebrada até hoje como símbolo do espírito destemido do povo da floresta. O movimento foi um dos poucos no país liderado por trabalhadores que resultou em alteração de fronteiras internacionais. Em cada 6 de agosto — data da Tomada de Xapuri — escolas, repartições e praças do estado relembram a história de personagens como Plácido de Castro, José Carvalho, Antônio de Sampaio e milhares de seringueiros anônimos que lutaram por uma terra que escolheram chamar de lar.
Fonte: Contilnet